Lucas Costa + Gui Furtado
O supérfluo sempre vaza; tudo aqui, besteira será, por que o aço irá agir forte e feliz, aqui e agora, porque o ruído da cidade cessou, nenhuma zuada; na minha frente um negócio, o capeta, um troço, ponta de metal mais turva, o oxigênio que levou o brilho, me causará tétano se não me derrubar num só golpe. Eu e eu e esta ponta que quer minha banha nesse meio fio sujo. Esta lâmina suja e esta conversa malamanhada de bonzinhos, "eu não quero te furar", "leve o que quiser". Fuleragem, eu não nasci pra isso, poderia estar em outra esquina de Deus, que rata! Mais ninguém, eu e eu e a ponta que quer minha banha. Se ao menos o corte fosse feito pelas mãos da temperatura do metal, quem sabe eu partiria feliz como a galinha sem pescoço e o sangue esguichando e ela pulando, não! Está mais pra tourada, fudido a toda sorte. O corte norte-sul poderia atingir diretamente minha cabeça, uma drenagem medieval (que vontade de tutano). Mas pra região que está direcionada, será mais fácil a castração. Isso! Cape- me logo, me poupe da macheza, metal; não vai envergar, caráter não se esconde, direto, quer meu bucho; frio, quer rebolar lá dentro; falta de educação completa. Quer eu e eu e minha banha quente. Será que o gosto da banha será o mesmo das buchadas de bode daqui? Se servida com molho de hortelã (que vontade de comer carneiro) espetinho de Kafta... Se estou condenado, não estou somente condenado à morte, mas também a defender-me até a morte (?)[1]. Não quero ser espetado pelo punhal que quer um punhado de minha banha quente e eu e eu. O fato que agora eu quero ver e quero analisar, só não posso sentir a textura gélida do vergalhão no meu bucho, seria uma paralisia infame. O bom método é perfurar outro corpo, eu não quero perder todas as minúcias, não quero incômodos no abdômen. Aperreio, eu e eu e esta ponta que quer minha banha nesse meio fio sujo. Esta lâmina suja e esta falácia de bonzinhos, "não vou te furar", "não tenho nada". Quando há algo apontado pra mim, a tendência é reverter o processo, causa-efeito; nada que ver com vingança, olho por olho é também uma lei. As touradas abalam; não darei conta nem serei motivado o suficiente pra ser o touro arretado que corre de encontro com quem o fode. Nem compensa, que sensualidade medíocre do safado, merda total. A raiz do pessimismo está nessa faquinha safada. A reabilitação para os tronchos já formulei e, com a ajuda de Pai Cícero colocarei em prática, vou tentar logo nesse, se ele não me surpreender. Assim que eu sair daqui, a coisa vai funcionar. Nesse atrasa lado, estou convencido já, que a educação para os maledicentes deva ser inteligente e elegante, mas implacável, como as alpercatas de Graciliano Ramos. Todo açougueiro sabe que o corte é funcional, eu e eu também, as aulas do aço deixam minha banha que treme endurecida feito um músculo exausto. A picanha é retirada, co’a vaca toda dada de anca pra riba mirada pro meio da cara, pro alho lambê-la e depois o rumo é a pança. Até buchada de bode vira dobradinha. A pessoa deve comer qualquer pedacinho que porventura retirou de seu irmão. O Mike Tyson comeria orelhas; os judeus, chapeletas de pintos e assim por diante. Inteligentes esses açougueiros; os tupinambás morreriam de orgulho. Esse bilotinho me ofende, mas o punhalzinho me dá medo. Eu desenrolado, agora estribado, sempre fui cabra danado, virado no molho de coentro. Isto gela como na minha terra, quando o barulho do cascalho era o esmeril da pechera, com o baião de Luiz Gonzaga, zumbindo nas orelhas, o risca-faca só estanca com carrapeta. O breguinha do som que ouvi ali em largo do Arouche agora parece o Zé Teixeira cantando com força de três ou quatro pulmões: “Não existe amor em S.P.”[2] Entendi. Esta é a canção agalopada daqui. Um golpe, uma risada, uma pipada e minha banha quente esfriando no meio fio. As borboletas estão chegando[3]/ As pombas estão voando. Esta deve ser a transcrição sucinta. Eu e eu, no covil cinza, nesta catarata apenas o brilho talentoso que dribla as calúnias da ferrugem para se apresentar a mim e eu, ela continua querendo minha banha quente. Sou seu nelore valente. E é que o aço abre beiço babando sangue do bucho, cas tripas pulando pra fora. Se cabra não se segura, sai arrastando intestino. Essa boca babada, sedenta quer mesmo eu e eu e, toda essa pouca banha, poderia passar horas ruminando com molares toda essa carne magra. Mas que não se distraia, pra azar dele, porque aqui canino afiado rasga e arranca peça toda. Amolado fica sempre o aço, pele de safado sai fácil feito meia calça, nem sinal de violência na carne fica, mas afundar no bucho abre beiço berrante e é aí que bicho arria as pernas.
Agora é banha de repente. Agora é neblina, olho de preto véio, me acabou o cristalino. A luz me alumia? Eu adoro gente.
Churrasco grego pra Troianos.
[1] Citação de Franz Kafka
[2] Citação da música de Criolo Doido, “Não existe amor em S.P”, 2010.
[3] Citação da música de Alceu Valença e Zé Ramalho; “A dança das borboletas”, 1978.
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